segunda-feira, 2 de julho de 2012

Geração esquecida à janela


As mãos engelhadas e amarelas, mapeadas por sinais e rugas, abrem a janela para a rua. Os seus olhos apagados e quase transparentes enchem-se com as luzes dos carros e das lojas, e os seus ouvidos com o ruído da vida que corre lá fora. Dentro daquele quarto os dias não têm a mesma pressa e tornam-se pesados enquanto espera pelo momento que sabe que virá.
No décimo andar, entre um labirinto de janelas, ninguém dá por ela. As pessoas traçam a sua própria passagem, olhando em frente e seguindo rigorosamente os caminhos-de-ferro do dia-a-dia. Entre uma geração individualmente realizada, os mais velhos, experientes e sábios, já não têm o mesmo valor.
O ar que deixou de circular pela sua casa encheu cada espaço com o cheiro a “guardado” e a mofo. Sozinha não é capaz de percorrer os milhares de quilómetros que parecem ter os seus corredores. A porta da sua casa não recebe mais visitas e a campainha não é usada há longos dias, meses, talvez anos – sabe-se lá. Os sofás não relembram momentos em família porque os seus filhos e netos não passam por eles. As molduras revivem momentos que já lá vão e não voltam.
Há muito que o telefone não toca e que a voz do seu pensamento é a única que enche o seu próprio quarto. Por quanto tempo mais? Não se sabe. Ninguém realmente sabe ou quer saber porque já há muito que a esqueceram.
Os mapas desenhados no seu rosto contam histórias de uma vida de trabalho e de experiência – ela é um tesouro, mas ninguém o descobre. Tem tanto para dar, tanto para ensinar, mas é mais um livro fechado e arrumado numa estante alta que ganha pó todos os dias.
O que mais espera este ser precioso? O que mais pode esperar? Entre as famílias de hoje não há espaço para a geração mais antiga e antiquada e os velhos são apenas trapos que teimam em ocupar espaço e tempo – ela sabe e sente-o todos os dias.
As suas mãos marcadas pelo trabalho duro de uma vida e pelos filhos que carregou e guiou são hoje apenas mãos esquecidas e sozinhas que esperam uma outra para agarrar.
E quando olha por aquela janela, os seus olhos reflectem muito mais do que a luz dos carros e das lojas, ou o rasto das pessoas. São espelhos baços da solidão em que vive, da tristeza do seu esquecimento e do aperto no coração que pouco mais aguenta dentro do seu mundo tão pequeno, entre as paredes de uma casa que tem tanto mais para contar.

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